#05 Inteligência Artificial na luta contra a COVID-19, com Alexandre Chiavegatto
[00:00:06]
Regina: Sejam bem-vindos ao Inside Alana Podcast, organizado pela Alana AI.
[00:00:16]
Regina: A Alana AI, uma empresa de inteligência artificial, que combina as inteligências humana e artificial para aproximar a relação entre marcas e clientes. A Alana AI oferece experiências incríveis através de conversas humanizadas, personalizadas e precisas, em grande escala. E o objetivo dessa série de podcasts é levar informação e discutir o papel da Inteligência Artificial no futuro. Como ela vai influenciar organizações globais, e também o relacionamento entre humanos e tecnologia. Aqui a gente vai compartilhar pensamentos e lições aprendidas em anos de experiência, como uma startup global, criadora de inteligência artificial e otimizadora do serviço de atendimento ao cliente. Vamos nessa?
[00:01:06]
Regina: Olá, fãs de tecnologia e inteligência artificial. Estamos aqui mais uma vez com o Inside Alana Podcast, para a gente falar um pouquinho de AI de uma maneira descomplicada, né, gente, porque é preciso. Eu sou Regina Bittar, âncora da temporada, e hoje a gente vai ter um podcast um pouquinho diferente. A gente vai fazer um bate-papo com duas feras da inteligência artificial. Um deles, você que acompanha nosso podcast já conhece, Marcellus Amadeus, CTO da Alana AI. Ele é especialista na área de inteligência artificial. Estudou neurociência computacional na UFABC, especialização em data science pela Universidade John Hopkins e especialização em machine learning em Stanford. Tudo bem, Marcellus?
Marcellus: Tudo bem, Regina.
[00:01:06]
Regina: Cá estamos nós novamente.
Marcellus: Sim.
Regina: É um prazer estar com você; eu aprendo demais com ele. E do outro lado da linha, porque está conosco através de chamada, temos o Alexandre Chiavegatto, doutorado em saúde pública pela USP e pós-doutorado na Universidade de Harvard. Ele é pesquisador principal de projetos de inteligência artificial em saúde na USP, gente; e atualmente é o coordenador da rede IACOV-BR Inteligência artificial para Covid-19 no Brasil. Falei certo IACOV?
[00:02:35]
Alexandre: Correto, é nome de jogador de futebol búlgaro, quase né, da copa de noventa e quatro; não, mas é isso daí mesmo, IACOV-BR Inteligência artificial para Covid-19 no Brasil. Hoje, o nosso laboratório, assim como tantos outros da área da ciência, estamos cem por cento focados em auxiliar na pandemia.
[00:02:58]
Regina: O objetivo dessa rede é desenvolver algoritmos de machine learning para o diagnóstico e prognóstico da covid-19 no Brasil, não é isso?
Alexandre: Exatamente
Regina: Então seja bem-vindo, Alexandre, bem-vindo aqui ao nosso encontro.
Alexandre: Eu que agradeço o convite.
[00:03:17]
Regina: Bom, gente, estou super ansiosa para conversar com essas duas mentes brilhantes, e eu aqui no meio, bonitinha. Vamos ouvir e aprender muito. Eu trouxe alguns assuntos para a gente conversar para que quem está ouvindo mergulhe de cabeça nesse mar de possibilidades que é a inteligência artificial. Então assim, o que eu aprendi Marcellus, é que a gente está sempre na busca da IA perfeita, e agora eu queria que vocês comentassem um pouquinho qual é o nível da tecnologia da AI atualmente. Qual é esse nível? Onde é que a gente está?
[00:03:52]
Marcellus: Olha, a gente pode [...] é difícil falar sobre AI como uma única coisa, né, então tem várias áreas de AI que se desenvolvem em paralelo. A área que eu tenho uma especialidade, que é a área de linguagem, ela está crescendo muito. Recentemente, teve um marco muito especial, recentemente publicado pela Open AI, que eles conseguiram criar um modelo de geração de linguagem, que só funciona em inglês, mas ele é quase humano. Então ele gera texto numa qualidade, assim, incrível, que a gente nunca tinha conseguido gerar antes. Então, a gente está numa fase bem interessante para a parte de linguística dentro de AI. E a China e os Estados Unidos, liderando com os maiores talentos. A gente tem, claro, investimentos no Canadá, na Inglaterra, mas ainda existe essa briga acirrada de China e Estados Unidos em relação da melhor AI.
Regina: Sim, virou uma polêmica, uma coisa política, né? Como a corrida para o espaço.
Marcellus: Eu acho que é um bom ponto. Eu acho que é quase uma corrida espacial. Queria até ouvir um pouco do Alexandre sobre isso.
Regina: É Alexandre, o que você acha disso? Desse estágio e dessa corrida na busca de uma inteligência artificial perfeita.
[00:05:17]
Alexandre: Exatamente. Como o Marcellus falou, a minha área não é de linguagem natural, de linguagem humana, mas de fato, o estado da arte hoje de machine learning, a grande novidade que temos tido nos últimos meses é essa, esse desenvolvimento do GPT-3, que o Marcellus mencionou; da Open AI, que está conseguindo escrever texto, escrever poesias, até criar sites, até criar códigos de HTML, a partir de conversas com pessoas, a partir de pequenas orientações ele está criando essas imensas possibilidades, que até então, que até recentemente não era possível. Sobre essa grande corrida, de fato, eu acho que é muito maior do que a corrida armamentista, do que a corrida espacial, porque o líder na área de inteligência artificial não vai ser líder apenas de inteligência artificial, vai ser o líder da área da saúde, vai ser o líder da educação, vai ser o líder dos investimentos. Por que? Porque a inteligência artificial é uma área que cresce para cima de outras áreas, que ela tem aplicações em todas as outras áreas, o que não é o caso das armas e da exploração aeroespacial. Então, é muito mais importante, muito mais impactante no mundo, e por isso que a gente vê aí os grandes países do mundo investindo bilhões e bilhões de dólares, até trilhões, no desenvolvimento de inteligência artificial, para serem o primeiro a chegar naquele grande objetivo de um dia ter uma superinteligência, por exemplo. E até mesmo pequenos avanços nesse caminho serão muito importantes para mudar as áreas, mesmo que a gente nunca atinja essa superinteligência.
[00:07:22]
Regina: É interessante falar dos pequenos avanços, porque assim, é aquilo que você tinha falado, Marcellus, a gente foca na IA perfeita, mas esse caminho, até dos pequenos avanços que a gente tem, modificam demais a nossa sociedade já. Já modificaram, né?
Marcellus: Sim.
Regina: Mesmo as mais simples inteligências que a gente utiliza no nosso dia a dia modificaram completamente a nossa sociedade. E vocês tem ideia, noção, de quantos cientistas estudam AI no mundo? Alguém tem esse número?
[00:07:54]
Marcellus: Eu acho que não, mas isso cresce num nível assim, assustador. Tem muito mais conferências, muito mais pessoas envolvidas. Isso toca num ponto que eu até citei mais cedo, que quando eu citei dos ciclos de AI, né, então você sempre tem, estamos em um terceiro ciclo, por assim dizer; a gente não sabe se é um ciclo ainda, mas um momento de entusiasmo, em que está tendo muito investimento, em que está sendo muita coisa prometida. E a gente tem essa expansão rápida. Então você tem grandes universidades investindo em cursos especializados nisso, por exemplo, o MIT vai lançar um curso de graduação em inteligência artificial, focado nisso. Então eu acho que o número vai crescer muito, muito, muito rápido, porque não é só um campo interessante, mas como o Alexandre falou, diferente de ir para outro planeta, a gente está desenvolvendo uma ferramenta. E essa ferramenta pode ser utilizada em qualquer área, então a gente está falando de uma supremacia total .
Regina: Isso que o Alexandre falou é muito sério, né, Alexandre!? E quais são os países que têm as melhores tecnologias? Alexandre, você sabe me dizer, assim, se tem alguém já com destaque, com um avanço? A gente vê aí China, Estados Unidos, é isso mesmo?
[00:09:22]
Alexandre: É hoje, o país líder ainda é os Estados Unidos, é o país que tem gerado o maior número de conhecimentos importantes, e significantes na área. Com algumas novidades vindo da Inglaterra, de Londres, com a Deepmind, algumas coisas vindo da China, mas o grande líder ainda é os Estados Unidos, mas a gente não sabe até quando. Os Estados Unidos, infelizmente, acho que até para o futuro aí do próprio planeta, anda investindo bastante pouco em inteligência artificial. Não tem um grande planejamento como país de inteligência artificial, que não é uma verdade da China. A China hoje já tem a meta, eles lançaram ano passado, de ser o líder mundial em cinco anos. E, para isso, de inteligência artificial, né, e para isso, abriram completamente os cofres do país. E além disso você tem essa questão de direitos humanos ali, que os Estados Unidos, em geral, existe uma pressão maior em relação à isso; e enquanto na China, você consegue muitos avanços, se você tiver mais liberdade nessa área, infelizmente. Se você tiver liberdade de utilizar inteligência artificial em qualquer área, com qualquer dados, você consegue um avanço muito grande, tá? Então a expectativa, de forma infeliz, só para deixar claro, então a expectativa é que a China avance. Eu acho que deve passar Estados Unidos nos próximos anos. E como eu falei, isso daí vai ser uma consequência maior do que ganhar uma coisa espacial, do que ganhar qualquer outra coisa. E por que isso? Por que que isso hoje é possível e não era possível há uns anos atrás, por exemplo, na corrida aeroespacial, ou na corrida armamentista? Porque o conhecimento de machine learning, o conhecimento de inteligência artificial, ele está online, ele é gratuito e ele é de livre acesso. Então, as grandes descobertas, tirando coisas extremamente complexas, como por exemplo, o GPT-3, tá? Mas os algoritmos de inteligência artificial, eles têm o mesmo custo para mim do que para um pesquisador de Stanford, do que para um pesquisador de Harvard, ou do MIT, etc. Eles são pacotes distribuídos gratuitamente no python e alguns no [inaudivel], que todo mundo tem acesso à um custo zero. Então, por causa desse custo baixo, em geral, de aplicações, tirando esses algoritmos obviamente muito complexo que exigem muita capacidade computacional, os algoritmos padrão, de estado da arte, mais acessíveis, eles estão disponíveis para todos os países e tem um custo muito baixo. O que a gente precisa é de capital humano. Estamos formando muito poucas pessoas ainda em machine learning, por vários motivos, mas eu acho que o principal é porque une duas áreas que muita gente não gosta, que são áreas de exatas, que seriam a estatística e programação.
Regina: Sim.
[00:12:23]
Alexandre: E mesmo as pessoas que gostam de estatística, às vezes não gostam de programações, as pessoas que gostam de programação as vezes não gostam de estatística; então mesmo as pessoas que estão dentro dessas duas áreas, ainda tem alguma restrição aí de juntar essas duas áreas. Então, o grande gargalo hoje que a gente tem seria isto. Seria trazer mais pessoas para a área, criar mais incentivos, melhorar a regulação da área para incentivar novas empresas. Hoje a gente tem um grande faroeste em relação ao que pode e ao que não pode na inteligência artificial, e isso gera umas incertezas por parte das empresas e, às vezes, gera também algum pé atrás, em termos de quanto vou direcionar de investimento para uma área que, de repente, pode ser proibida, né. E é o risco que a gente corre mesmo na área da saúde, infelizmente, esse medo de que nada está certo ainda na área, estamos aprendendo, e o país pode ir por um caminho errado. O país pode seguir o caminho do obscurantismo, de proibir novas tecnologias. O que está completamente em aberto, essa possibilidade, infelizmente.
[00:13:34]
Regina: Entendi. Marcellus, você quer fazer um comentário? Estou vendo aqui o Marcellus falando [...]
Marcellus: Eu achei interessante esse ponto do [...] Na verdade eu queria sugerir dois tópicos, mas o primeiro é, acho que é legal a gente falar um pouco desse ponto, da participação da inteligência artificial na saúde, o quanto que está gerando, na verdade, incerteza nas pessoas. Porque as pessoas mais leigas, elas têm esse medo da inteligência artificial. E agora, abordando um assunto que é mais delicado como a saúde, então a gente vê um agravamento nessa questão. Acho que, como o Alexandre é mais próximo disso, também queria ouvir a opinião dele mais profundamente.
[00:14:17]
Regina: Alexandre, você pode contar para a gente esse medo. Eu, como pessoa leiga, fico imaginando qual é o medo? É de uma manipulação biológica, qual é o medo? Porque, na verdade, eu só vejo benefícios.
Alexandre: Sim, existem muitos medos mesmo. Em vários momentos aí de inteligência artificial que vão desde algoritmos malfeitos, que tomam decisões erradas, de baixa qualidade. Então a impressão que muita gente tem da inteligência artificial, é que é tudo a mesma coisa, que é uma caixinha ali, que você bota uns dados ali e vai sair o resultado de qualquer jeito. Mas existe muito, eu costumo falar, em machine learning existe muito, muito muito human learning por trás. Então você pode fazer coisas absolutamente ruins, de péssima qualidade, com inteligência artificial, se você não tiver conhecimento por trás, e as pessoas colocam tudo dentro do mesmo pacote geral, chamado inteligência artificial, exatamente por isso, porque elas acham que a gente não está fazendo nada. No fundo é isso, que as pessoas estão desenvolvendo essas análises, não estão fazendo nada, que é tudo o mesmo algoritmo, que é tudo a mesma coisa, e obviamente que não é. Então, em primeiro lugar, a gente tem esse problema de análise de baixa qualidade, mal feitas por pessoas que não sabe estão fazendo e chamam isso de inteligência artificial e não tem nenhuma análise por trás. E também a gente gera muitos outros problemas, possíveis problemas que vão desde vieses na tomada da decisão, que a gente chama de algoritmos preconceituosos, que tomam boas decisões para pessoas ricas ou dão prioridade de recebimento de acesso a serviços para pessoas ricas e impedem pessoas pobres indiretamente. Obviamente esse não é esse o objetivo do algoritmo, mas na sua própria formulação e pelos próprios dados que são usados para o seu aprendizado, ele pode aprender a ser preconceituoso com o passado, com os dados do passado. E a gente vai desde visões mais apocalípticas, onde uma superinteligência aí, que virtualmente seja desenvolvida, e acabe afetando aí muitas áreas e até mesmo a vida biológica na terra. Mas assim, no momento eu acho que o grande, a grande preocupação é que estamos formando poucos profissionais, de baixa qualidade, que estão fazendo pesquisas ruins, que estão fazendo análises ruins. E eu tenho muito medo que isso comece a queimar a área, que os profissionais de saúde comecem a ver que a qualidade é ruim, que o algoritmo está errando muito, está tomando decisões erradas, e comecem a descartar essa área e abandonar a área de inteligência artificial.
[00:17:00]
Regina: Alexandre, mas isso que você está falando de falta de profissionais, de qualidade, é aqui no Brasil, ou você está se referindo mais ao mundo ocidental?
Alexandre: Eu acho que no mundo inteiro, no mundo inteiro a gente está tendo essa dificuldade. Por ser uma área com muita demanda de mercado, as empresas estão vendo o que os concorrentes estão usando, o que funciona, etc, e elas começam a tentar contratar esses profissionais. Por isso que essa área de consultoria anda crescendo bastante. Por que? porque , por exemplo, o hospital quer criar algoritmos, quer criar essa equipe de ciência de dados, mas são muito caros esses profissionais, e quando eles conseguem contratar, eles são de baixa qualidade. E aí entra esse espaço que hoje a gente tem, das consultorias para atuar nessas áreas. Eu acho que é uma tendência, as consultorias que tenham expertise na área de machine learning, que sabem, que eu acho que é o mais importante, que sabem identificar bons algoritmos, coisas que, por exemplo, o médico no hospital não saberia identificar. Então, aí essas áreas têm crescido bastante; mas o grande desafio hoje, eu diria que é por causa dessa demanda muito grande, as pessoas inserem lá no LinkedIn que trabalham com machine learning, com inteligência artificial, mas falta de fato botarem o tempo para aprender sobre a área.
[00:18:21]
Regina: Para aprender. Agora, eu posso continuar com a pergunta para o Alexandre? Porque assim, a gente falou de um lado das dificuldades na área da saúde, da aplicação da AI na área da saúde; mas eu queria falar agora do lado bom, do positivo, do que já está sendo feito, do que pode ser feito, do que pode ser alcançado. Como é que trabalha a IACOV?
Alexandre: Legal. Então, tem muita coisa assim [...] na área da saúde, o foco na área da saúde, que a minha área de pesquisa, de trabalho, a inteligência artificial pode ser utilizada em todos os momentos do contato do paciente com o sistema de saúde; que vai desde o primeiro contato que é, por exemplo, em decisões sobre triagem do paciente. Então o paciente chegou com algumas características, para qual médico eu encaminho ele, ou será que eu já encaminho ele direto para uma internação, etc. Então, no primeiro momento, em relação às decisões sobre triagem; também prioridade de atendimento, baseado nas características desse paciente, no momento intermediário da atenção a esse paciente, em relação a decisões sobre diagnóstico desse paciente e de prognóstico, risco de prognóstico negativo desse paciente. Isso auxilia o médico a tomar a melhor decisão possível em termos de intervenções, de diagnósticos a esse paciente, até o momento final.
Regina: Através de análise de estatística, análise dos resultados dos exames. A AI ajuda nisso?
[00:19:56]
Alexandre: Isso, exatamente, então como é que o algoritmo de machine learning funciona. Então o machine learning é hoje a área que domina a inteligência artificial, então é praticamente sinônimo machine learning e inteligência artificial hoje. Então, como é que esses algoritmos funcionam? Eles aprendem com exemplos, eles aprendem a tomar uma decisão inteligente a partir de exemplos passados. Então você tem aí várias características de vários pacientes e alguns têm essa doença que você quer analisar, e outros não têm; o algoritmo vai identificando que tipo de sintomas, que tipo de resultados de exame, que tipo de características demográficas, etc, faz com que o paciente, de fato, tem essa doença versus não ter. Ele vai aprendendo essas regras de decisão, a partir de exemplos; ele aprendeu as regras de decisão, fechou as regras, aprendeu certinho, a gente começa a testar em novos pacientes. Pacientes que esse algoritmo nunca viu, que não sabe o resultado, tá? Então chega o senhor João na nossa clínica, o algoritmo analisa esses dados do Seu João, resultados de exames, sintomas, idade, sexo, etc, a gente insere nesse algoritmo que já aprendeu as regras lá atrás, ele vai seguindo aquelas regras que ele aprendeu e ele fala: “seu João aqui tem o risco de noventa e dois vírgula cinco por cento de ter essa doença aqui que a gente está preocupado que ele tenha”. Então isso daí seria, e da mesma forma em decisões sobre triagens, risco de prognóstico negativo, etc, tá? E só para terminar, em relação ao contato final do paciente com o sistema de saúde, em decisões sobre alta hospitalar, por exemplo, também algoritmo de inteligência artificial consegue auxiliar nisso. Ou seja, qual é o risco de, se eu der alta para esse paciente, qual o risco de ele ser re-internado daqui uma semana, por exemplo. Se for muito baixo, isso torna o médico mais confiante para dar uma alta hospitalar para esse paciente.
[00:21:46]
Regina: Seria o acompanhamento que chama beira leito, que chama? Que é quando o paciente, a evolução desse quadro, desse acompanhamento?
Alexandre: Sim, exatamente, principalmente nas áreas onde se coletam mais dados dentro da medicina que seria, por exemplo, no caso de pacientes internados em UTI, que os dados são coletados continuamente desse paciente e você consegue ir até além. Você consegue predizer, por exemplo, o risco desse paciente ir a óbito daqui a uma hora, por exemplo, daqui a seis horas, daqui a um dia, ou de ter algum desfecho grave para essa doença que ele tem, alguma piora do quadro clínico nas próximas horas, etc. Então, quanto mais dados, principalmente nessas áreas da saúde que coletam muitos dados, melhores algoritmos, mais precisos e mais proximais eles conseguem ser.
[00:22:38]
Regina: Enfim, eu vejo benefícios múltiplos e muito grandes, principalmente nessa fase de pandemia, da utilização da AI nessa triagem sem o contato humano necessariamente, principalmente, esse acompanhamento todo, você não acha, Marcellus? Acho que se você fizer um balanço, os benefícios são maiores.
Marcellus: Sim. Não, mas a AI, ela é uma ferramenta. Então, a gente tem que focar em utilizá-la para o bem e para as coisas que mais importam, então o investimento da AI na saúde é fundamental.
Regina: Fundamental.
Marcellus: É uma super ferramenta que a gente tem hoje, que a gente tem condições de chegar a resultados incríveis, então um investimento ainda é bem interessante.
Regina: Ainda mais em uma área que tem um crescimento gigantesco. É uma área que ficou estacionada por muito tempo, né, a área da saúde; em um atendimento, em um tipo de procedimento, ficou congelada, como é a área da educação. O machine learning, o machine learning não, a AI veio para revolucionar mesmo todos os segmentos.
Marcellus: Mas é que a saúde, ela tem, impressão minha, né, ou talvez até o Alexandre possa complementar, mas a saúde, ela tem um ponto sensível, porque são pessoas, são condições médicas; então não é mais uma coisa de você criar um algoritmo que detecta preços de casas, sabe? Ou de geração de texto. Então a saúde, ela tem coisas muito delicadas e já existem hoje leis e uma série de regulamentações para usos de dados na saúde, sem se quer falar de AI. O próprio hospital compartilhar dados já é uma coisa complicada, então [...]
Regina: Complicadissíma.
Marcellus: [...] a AI, assim, ela precisa de muitos dados, né, então o machine learning, ele hoje depende de muita informação. Claro que tem pesquisas para lidar com isso, têm técnicas, mas idealmente a gente precisa de muitos dados. Então você tem alguns hospitais aí de vanguarda, por exemplo, o próprio Albert Einstein, ele lançou um desafio público, uma plataforma que a gente tem chamada Kaggle, que é de competições de data science, com os dados anonimizados, de pacientes com coronavírus, e basicamente ele disponibilizou isso para que qualquer pessoa, qualquer cientista, pudesse trazer formas [...]
Regina: Um open source.
[00:25:10]
Marcellus: Exato. Então formas de detectar, e esses desafios são interessantes por isso, porque você tira o maior proveito da colaboração de muitos cientistas ao redor do mundo, provendo os dados que eles precisam para poder criar. E uma coisa que é interessante, que o Alexandre falou, dessa questão de às vezes, comercialmente falando, talvez algumas pessoas da impressão de que uma vez que você tem algoritmos é só jogar os dados lá e tudo mais. Mas é curioso notar que desenvolver AI, ou machine learning, são sinônimos, mas é cinquenta por cento arte e cinquenta por cento, ciência. Então a gente tem um trabalho humano extenso em desenvolver os melhores resultados, e eu acho que isso toca num ponto que eu queria trazer também para discutir com Alexandre, que é de a gente falar um pouco do custo de desenvolver AI. Porque por um lado a gente tem, como o Alexandre falou, bibliotecas e dados e coisas open source, e conhecimento; tem conhecimento infinito sobre aprender machine learning, então qualquer pessoa hoje, com o tempo e acesso à internet, consegue aprender sobre machine learning, as técnicas e tudo mais. Mas por outro lado, uma das exceções que ele falou, por exemplo, que é o GPT, que é o modelo de estado da arte de geração de linguagem, algumas pessoas estimaram de cinco a dez milhões de dólares para gerar esse modelo. E isso que a gente nem está falando do quanto ele gasta de energia, ou que ele, e a energia, por sua vez, pode ser convertida em poluição. O quanto que ele custa para o planeta, para a sociedade, para ser desenvolvido.
Regina: Para ser desenvolvido.
[00:26:48]
Marcellus: Então, acho que é legal a gente conversar um pouco sobre esse contraponto de o quanto que sim, tem muita gente querendo deixar isso open source, para deixar isso descentralizado. Mas, por outro lado, quando a gente fala de “os países estão lutando para ser os melhores” e tudo mais, eles investem muito dinheiro. Muitas companhias privadas também investem muito dinheiro. Quando eu digo muito, eu estou falando da escala de dezenas de bilhões de dólares; então, quanto que a AI também está indo nessa situação mais elitista de que os melhores modelos, ou seja, os que são mais úteis, e os que causam mais impacto estão na mão de poucos, porque como pesquisadores a gente tem acesso sim aos melhores algoritmos, mesmo porque quando eles são publicados, eles geralmente são abertos; mas nem sempre ou a quantidade de dados ou, principalmente, a quantidade de computação necessária para chegar naquele algoritmo.
[00:27:54]
Regina: Alexandre. O que você tem a dizer sobre isso, sobre esse custo-benefício, essa centralização de poder, né? Porque isso é poder.
Marcellus: Isso é poder.
Alexandre: Exatamente essa questão dos dados e da computação, né, tem uma tendência a ser cada vez mais importante. Em algumas áreas, acho que a questão da linguagem, é uma área um pouco a parte da área da saúde, porque no sentido de que os dados de linguagem tem o mesmo acesso, eles são livres mesmo para serem acessados online, né? Wikipedia, vários sites, blogs, que é basicamente o que o GPT acabou utilizando, o GPT-3 acabou utilizando toda essa informação que tem aí na internet, mas os dados dos pacientes não estão, felizmente. Ainda bem que não estão. Então, na área da saúde ainda não é uma questão assim tão grande, tão importante, essa questão computacional. Obviamente, é caro mesmo, então o nosso laboratório, historicamente, a gente sempre teve máquinas. A gente está agora migrando, em parte por causa da pandemia também em questão do acesso remoto, que a gente já não tem mais ido pro laboratório, então a gente está migrando para a nuvem, e é verdadeiramente caro. A gente tem a sorte de ter recebido alguns grants de algumas empresas, para a gente conseguir ter esse acesso gratuito à nuvem para rodar os nossos algoritmos. Em relação à dados, também. Então, em geral, é uma coisa que a gente está descobrindo agora com a nossa rede, a gente vai começar a descobrir agora com a nossa rede o quanto de diversidade de dados eu preciso para desenvolver bons algoritmos. É uma coisa que a gente não sabe ainda hoje no mundo; por exemplo, se eu desenvolver um algoritmo para predizer infarto em São Paulo. Será que ele funciona em Nova Iorque, por exemplo? Provavelmente, não. Por que? Porque as realidades são muito diferentes. Mas assim, parece meio óbvio para a gente, mas é isso que a gente faz historicamente na área da saúde. Os medicamentos são desenvolvidos em Nova Iorque e vem para o Brasil como se fosse tudo a mesma coisa. Então, as intervenções são desenvolvidas em Boston, na Califórnia, em Londres, e veio para o Brasil como se a nossa genética fosse a mesma, como se a nossa situação socioeconômica, como se a nossa atenção à saúde fosse a mesma, tá? Então com o machine learning a gente quer evitar isso, trazer um pouco de senso comum aí para essa questão de decisões na área da saúde; onde a gente quer ver, a gente quer descobrir “se eu desenvolver um algoritmo em São Paulo, será que ele funciona em Porto Alegre? Será que ele funciona em Campina Grande?”. Talvez não, “mas será que um de São Paulo funciona em Campinas? É um pouco mais parecido, então pode ser”. “Será que o desenvolvido no Einstein funciona no Sírio?” Talvez. Então a gente vai começar a descobrir o quanto de diversidade a gente precisa ter nesses algoritmos, para garantir que eles tomam decisões inteligentes em todas as regiões. E aí a gente vai saber essa questão de dados, o quanto de dados eu preciso. Às vezes só os dados do meu hospital é suficiente. Na verdade, às vezes só esses dados deste local é a melhor opção possível. Talvez trazer dados de outros, piore o algoritmo. É uma coisa que está totalmente aberta hoje em machine learning e estamos muito empolgados para descobrir.
[00:31:12]
Regina: Nossa, interessantíssimo isso que você está falando, porque entra naquele naquilo que a gente falou do contexto. O ser humano parece também que trabalha sem analisar o contexto da situação. Então, faz uma coisa por um certo público, uma amostra de um público, que vai para o mundo inteiro como se fosse igual. E não existe um igual; mas falando disso, desse aprendizado, eu queria perguntar para vocês dois sobre a evolução do machine learning e do deep learning. Sem machine learning, seria possível o nível de desenvolvimento atual da inteligência artificial? Vocês acham que, qual é o papel desse machine learning?
[00:31:49]
Marcellus: Bom, sobre esse ponto, até o Alexandre tinha comentado um pouco que hoje a inteligência artificial e machine learning são sinônimos, mas eles não são a mesma coisa; então a inteligência artificial é uma área que tem muitas técnicas e linhas de pesquisa, uma delas mais pragmática, pragmática assim, na prática, é machine learning, que por sua vez também tem suas técnicas e linhas de pesquisa. O machine learning é uma AI aplicada, por assim dizer. E aí dentro de machine learning você tem uma série de algoritmos. Hoje, a maioria baseado em redes neurais artificiais e deep learning, que por sua vez é uma rede neural artificial, certo? Então você vê que você, a gente está falando, na verdade está aprofundando, né. Então você tem AI, aí dentro tem machine learning, aí dentro tem redes neurais artificiais e dentro tem deep learning, aprendizado profundo. Eu acho que só existe hoje esse entusiasmo e esse investimento em AI por conta do machine learning, porque a gente tem todas outras formas. Então o machine learning, ele possibilita você chegar em resultados que assim, nem os próprios cientistas acreditavam que era possível chegar nesses resultados. E aí, só que tem uma consequência, que é o Black Box.
Regina: Que é o Black Box.
[00:33:18]
Regina: Alexandre, como é que isso para você? Tanto, qual é a importância na área da saúde o machine learning, e o que pode ocorrer no caso na área da saúde com black box?
Alexandre: Então, é como o Marcellus falou, então existem outros tipos de inteligência artificial que a gente chama hoje de inteligência artificial clássica, ou boa e velha inteligência artificial, que são máquinas tomando decisões inteligentes, mas a partir de regras estabelecidas por humanos, tá? Isso é o que diferencia em boa parte machine learning, é onde as regras são apreendidas via exemplos, via experiências, entre aspas, via os dados. Então os algoritmos, eles aprendem com os dados e assim como humanos, eles têm dificuldade às vezes de explicar de uma forma simplista uma decisão inteligente, o que, como falei, não é uma característica de machine learning e não é uma característica de inteligência artificial. É uma característica de uma decisão inteligente, principalmente na área da saúde, que é provavelmente a área mais complexa de todas. Ninguém vai a óbito, por exemplo, por uma única doença, por um único fator, independentemente dos outros. É um conjunto de fatores demográficos, genéticos, socioeconômicos, fatores de risco, que interagem de uma forma complexa, levando aos problemas graves de saúde, levando ao óbito e etc. Ninguém vai a óbito só porque se alimenta mal, ninguém vai a óbito só porque é sedentário e etc. É uma interação complexa e machine learning aprende essa interação complexa. E aí dar uma justificativa simplista para uma decisão complexa, que envolve múltiplos fatores, que é a realidade de uma decisão inteligente, até aquelas que a gente acha que não são muito complexas, por exemplo, os ouvintes desse podcast, por que que estão ouvindo esse podcast. É difícil explicar, dar uma explicação simplista para isso, porque é uma decisão inteligente ouvir, a gente espera que seja. Uma decisão inteligente ouvir esse podcast, e é difícil falar que dezessete vírgula cinco, que você está ouvindo esse podcast e dezessete vírgula cinco por cento o motivo é porque você tem interesse no tema, vinte e nove vírgula sete por cento, porque teu chefe pediu. É difícil você justificar uma decisão inteligente de uma forma simplista. Então é uma característica de machine learning, é uma característica de humanos, é uma característica de toda decisão inteligente. A boa notícia é que a gente, em machine learning, tem várias técnicas que a gente consegue tirar essa informação dos algoritmos, tá? Então a gente consegue puxar, apesar de não ser esse o objetivo do algoritmo, o objetivo do algoritmo é tomar uma decisão inteligente, ou auxiliar na tomada de decisão inteligente; a gente tem várias técnicas hoje, é uma área que tem crescido muito em machine learning, de ir tirando a justificativa para essa tomada de decisão, tá? Que obviamente é simplista, é até um pouco infantil, principalmente na área da saúde. Mas assim, é o melhor que é possível, não por causa de machine learning, mas por causa da complexidade dessa decisão mesmo. Então hoje a gente tem muitas técnicas, a gente usa bastante isso nas nossas pesquisas, principalmente na área da saúde que as pessoas querem entender e ver se faz sentido o que o algoritmo está olhando. Por exemplo, na hora de predição de risco dessa pessoa ir a óbito no próximo ano. Algo muito provável é que a idade seja um fator importante. Por outro lado, que não seja importante o número de camisetas amarelas que ela tem casa, por exemplo. Então a gente checa isso para ver se algoritmo está aprendendo algo que no nosso conhecimento faz sentido, ou alguma coisa até que a gente não sabia, né, que a gente pode aprender e que às vezes acontece na nossa pesquisa. A gente vê o que o algoritmo está usando muito uma característica que a gente não esperava, mas que faz muito sentido ele estar puxando essa característica. Então por esses dois motivos, para ver se não tem nenhum erro de compreensão do algoritmo e para ver também, se a gente aprende alguma coisa nova com essa decisão do algoritmo.
[00:37:29]
Regina: Eu entendi e achei bárbara a explicação, mas adorei principalmente porque você falou para você que está ouvindo aqui, você está ouvindo porque você tem uma decisão inteligente, então por isso que você está ouvindo o nosso podcast. Eu adorei isso. Então, olha, aproveita, se você não ouviu os outros episódios, vai, depois que terminar esse daqui, vai lá no começo e ouve porque você vai sair daqui entendendo tudo. Se eu estou entendendo, você vai entender tudo, não tem erro. Adorei, Alexandre. E faz todo sentido fazer esse acompanhamento do machine learning na área da saúde, porque não dá para ter erro e acertos, não dá pra você deixar. Tem que ser uma coisa mais acompanhada, se é o que eu entendi.
[00:38:13]
Marcellus: Eu achei legal essa distinção. É até estranho, porque eu e o Alexandre estamos trabalhando a inteligência artificial todo dia e tal, mas eu já consigo entender, eu já consegui até notar algumas de workflow, por exemplo, porque em linguagem, como você não tem tanto essa necessidade de explicação, a gente investe cada vez mais tempo e recurso em deixar os algoritmos fazerem o que eles quiserem, para a gente chegar no melhor modelo e tudo. Então, a gente em linguagem, não investe tanto tempo assim em querer explicar o porquê e tudo mais. Assim, esse próprio algoritmo que a gente já falou algumas vezes, que é surpreendente em geração de linguagem, se eles tivessem investido um segundo para tentar escolher quais são as melhores formas, ou tentar entender, ele nunca seria possível, porque ele tem dezenas de bilhões de parâmetros; então é muito interessante como você vê que dentro mesmo do próprio campo, na aplicação, a abordagem é muito diferente. Então em análises exploratórias e criar todo esse relatório justificativo, o porquê, então [...]
Regina: Faz todo sentido.
Marcellus: Faz todo sentido, exatamente. A gente tem um campo de ética em AI, em que a gente vai, que em análise de crédito, em saúde, em coisas que impactam, em seguros, coisas que impactam a vida das pessoas, é fundamental você ter essa justificativa; aí você vê o quanto que, com o Alexandre falou, os algoritmos são dependentes da expertise humana para conseguir chegar a algum lugar. E é curioso porque em processamento de linguagem natural, essa foi uma fase no passado, então lá no começo tinha muita, tinha muito conhecimento humano envolvido, mas hoje o algoritmo é muito mais livre para fazer, porque o impacto dele é irrisório, perto de você lidar com a saúde de uma pessoa, ou com seguro, ou com a análise de crédito, etc. Então a gente tem uma liberdade, assim, falando de uma maneira meio brincando, eu até me senti irresponsável do tanto que eu deixo meus algoritmos soltos, e o Alexandre, ele tem que lidar com essa preocupação no campo dele.
[00:40:35]
Regina: Olha, e eu que sou leiga, eu senti isso. Eu senti essa diferença, total diferença desse acompanhamento. Mas e o deep learning, gente? O que vocês me falam do deep learning? Como é que ele surgiu? Quando? Como era o desenvolvimento da inteligência artificial antes?
Marcellus: É que depende também. Eu acho legal ter esse contraste da aplicação, porque no caso da linguagem, praticamente só existe essa técnica. Ninguém investe tempo ou recursos em outras técnicas que não sejam o deep learning, porque, como o Alexandre falou, a gente tem muitos dados para a linguagem; então a gente precisa de algoritmos que consigam extrair, consigam chegar em algum lugar com muitos dados, e que o crescimento, que a melhoria do algoritmo seja proporcional à quantidade de dados, de alguma maneira, então pro deep learning isso é fundamental. O deep learning, ele é muito dependente disso, mas não sei na saúde. Se o Alexandre quiser comentar o deep learning na saúde.
Regina: Alexandra, conta conta para a gente na saúde como é que é.
Alexandre: Eu acho que não é tanto uma diferenciação de saúde, e outras áreas, mas do tipo de dados que você está analisando. Acho que a gente tem três grandes agrupamentos, tipos de dados que podem ser analisados, que são dados de imagem, dados de texto, que é o que o Marcellus mencionou que ele trabalha e dados estruturados, que são dados [...] o que seriam dados estruturados? São dados que conseguem ser facilmente colocados em uma planilha de excel, por exemplo, que fazem sentido em termos de variáveis, de resultado, de variáveis, por exemplo. Na área de imagem e na área de texto, isso não acontece. Não é tão óbvio como você coloca uma imagem numa planilha; obviamente, você consegue, mas às vezes não faz muito sentido, e a mesma coisa com texto. Enquanto que, por exemplo, no meu caso, dados estruturados, a gente tem dados, por exemplo, de número de eosinófilos no sangue do paciente, número de hemácias no sangue, a pressão arterial, respiração, tudo isso é informação que faz todo sentido, se eu colocar em uma planilha. E que cada variável tem uma força muito grande, tem uma importância, grande que não é a realidade de imagem e texto. Então, em imagem você coloca um pixel em cada área, cada coluna, por exemplo, e texto tem várias técnicas para transformar em colunas, e aí você quer o que? Você tem dados muito complexos, que cada pessoa tem centenas, milhares de variáveis, por exemplo, e daí você precisa de algoritmos que lidam bem com essa complexidade, e daí os mais comuns são algoritmos originados de deep learning, no caso de imagens, redes convolucionais. No caso de texto, os transformers agora, que lidam muito bem com esse tipo de dados, tá? Deep learning é uma técnica que já existe faz tempo e começou a ficar bastante famosa a partir de dois mil e doze, no Alexnet, que eles ganharam uma competição de imagem, de classificação de imagem, utilizando este algoritmo de deep learning, mas é um dos algoritmos. A gente usa deep learning para dados estruturados, como eu falei, né, esses dados que viram planilha facilmente, que são a maioria dos dados coletados em hospitais. Então mesmo na área de saúde, a gente ainda tem o predomínio de texto e de imagem, muitas pessoas trabalhando com isso, mas por que isso acontece? Por causa de questões históricas. O machine learning é uma área que vem da ciência computação, e na ciência da computação os dois problemas históricos sempre foram texto e imagem. Como fazer o computador entender textos e o computador entender imagens, né, é um problema histórico da ciência da computação, que acabou originando [...] Como eu fiz o caminho inverso, eu sempre trabalhei com análise de dados em saúde, e agora com a chegada de machine learning nós estamos cem por cento utilizando machine learning, nós estamos utilizando os dados que de fato são coletados normalmente por hospitais, com o intuito de afetar o maior número de pessoas. Daí algoritmos de deep learning não funcionam tão bem. Então a gente testa, o nosso laboratório testa algoritmos de deep learning, mas existe uma alta tendência ao que a gente chama de sobre ajuste; eles começam a decorar muitos dados, sem entender padrões gerais nos dados, tá? Então a gente usa algoritmos que vem das árvores. Algoritmo de árvores de decisão, que fazemos várias técnicas ali para ajustar esse algoritmos de árvores, que são basicamente o Random Forest, XGboost, PyGBM, etc, algoritmos que vêm de árvores, funcionam muito melhor do que os algoritmos de deep learning que, como falei, a gente usa também, mas para dados estruturados eles acabam decorando, eles acabam tendo um problema muito grande de sobre ajuste. Esses outros funcionam muito bem, né, então hoje a gente tem um grande número de técnicas para dados estruturados que vão mudando também, é uma área que vivem aparecendo novidades, então vira e mexe a gente descobre algum algoritmo e incorpora no laboratório para ser usado. Então é uma área dinâmica. E essa é a grande beleza de machine learning e de inteligência artificial, que a gente não está preso a nada. Eu não estou preso no algoritmo. O pessoal de linguagem não está preso a nenhum algoritmo. Como eu falei, os transformers, que são o estado da arte hoje, uma coisa relativamente recente; na área de imagem também, ninguém está preso a nada. A gente está preso a tomar decisões inteligentes. Então isso é uma certeza. Para quem não conhece a área, uma certeza é que a inteligência artificial não vai embora. A inteligência artificial não vai deixar de ser importante. Por que? Porque se aparecer uma nova técnica para tomar uma decisão inteligente, a gente vai incorporar isso. Isso vira machine learning pra gente. Isso vira uma nova técnica que a gente incorpora. Pode ser algo totalmente diferente do que a gente faz, né. Isso daí não importa, tá? Se vier, se de repente descobrirem que a média é a melhor decisão para tomar, a melhor forma de tomar qualquer decisão, a gente vai usar a média, não tenho problema com isso, tá? Então, assim, é uma área que não vai ser substituída por nenhuma outra, tá? Então, vocês acham que tem ouvido falar muito de machine learning? Inteligência artificial hoje? Esperem daqui a dois anos. Vocês vão ver o que é ouvir falar muito. Se em dois anos vocês acharem que tem ouvido falar muito, esperem mais dois anos, e assim vai. Então, tomar decisões inteligentes a partir de dados, só vai ficando mais e mais importante, e como machine learning não está preso a nada, a gente só está preso em decisões inteligentes, a gente vai incorporar isso. Todas as novidades viram para nós machine learning, viram para nós estratégias para decisões inteligentes.
[00:47:12]
Regina: Tá, legal. A gente falou dos algoritmos, eu entendi o machine learning, o deep learning, mas Alexandre, eu queria saber nessa luta contra o covid, como é que está a AI? Como é que está atuando realmente a inteligência artificial nessa luta contra o covid?
Alexandre: Então, nós temos agora esse grupo, essa rede de hospitais, que a gente chama de IACOV-BR Inteligência Artificial para Covid-19 no Brasil, que a gente está atuando em duas grandes frentes, que é diagnóstico e prognóstico de covid-19. Então, primeiro lugar, diagnóstico, quando o paciente chega no hospital com sintomas de covid, ele faz um exame padrão ouro, que é o RTPCR, que é o exame de swab que demora para sair o resultado, muitas horas, às vezes dias; a gente tem até relatos de semanas para sair o resultado se esse paciente tem, ou não tem, covid. E o médico tem que tomar decisões em relação à necessidade de isolamento, e em relação à medidas preventivas à esse paciente bem rapidamente, antes desse resultado chegar. O que a gente descobriu, e fomos o primeiro grupo no mundo a descobrir isso, é que só com os dados do hemograma, com o exame de sangue, resultados que ficam prontos em menos que uma hora, na maioria dos hospitais, a gente já usa algoritmos só com essas informações já conseguem dizer muito bem e acertar qual o risco desse paciente de fato ter covid-19. Então, só com esses dados automaticamente coletados, os médicos conseguem saber a probabilidade desse paciente ter covid e isso auxilia eles nessas questões de isolar, ou não isolar esse paciente, iniciar medidas preventivas e etc. Na verdade, o Marcellus chegou a mencionar essa questão do Einstein, então a gente trabalhou de perto com o Einstein nessa questão de disponibilidade desses dados; na verdade, nós que descobrimos isso, então temos algumas parcerias com o Einstein, eu tenho alguns alunos que trabalham lá, e nós descobrimos que dava para predizer dizer muito bem com o exame de sangue, e daí o Einstein decidiu divulgar essas informações para todo mundo testar, checar e confirmar. E já foi confirmado, não só das pessoas que usaram esse mesmo banco de dados que a gente usou, obviamente, do que em relação à outros países no mundo. Vários outros grupos foram confirmando isso, que só com os dados de hemograma dá para saber. A gente tem um artigo publicado lá em início de abril. A gente escreveu o artigo em março, com os primeiros pacientes que chegaram no Brasil com covid-19, tá? E aí então, isso para diagnóstico e também prognóstico, dado que o paciente é diagnosticado com covid-19, dada as características dele, qual o risco dele eventualmente ir para UTI, de ele precisar de ventilação mecânica e de ir a óbito? Nós temos descoberto que dá para predizer muito bem, de novo, quase que só com um hemograma, quase que só com o exame de sangue, que como eu falei, fica pronto na primeira hora.
[00:50:18]
Regina: Deixa eu ver se eu entendi. Eu estou te interrompendo aqui porque é tão importante isso que você está falando; primeiro, porque os exames que tinham inventado não estavam funcionando, tinham muitos erros, e aí foi aqui no Brasil, foram vocês que inventaram esse exame de sangue que é possível dar o diagnóstico correto em horas. E aí você está me dizendo que também é possível fazer um prognóstico da gravidade que vai acontecer no covid através desse exame?
[00:50:47]
Alexandre: Exatamente, então a gente não chama isso de exame, a gente chama de probabilidade desse paciente de fato ter, ao contrário desses outros testes aí que você mencionou, completamente irresponsáveis, que têm um risco altíssimo, um erro altíssimo. A gente tem um erro muito menor, mas a gente não pensaria em colocar isso em prática, em atuação, até que tivesse um resultado tão bom, ou melhor, que o padrão ouro, que seria então o RTPCR. O que o nosso algoritmo nos dá é uma probabilidade de o RTPCR dar positivo para essa pessoa, tá? Então, isso é um pouco diferente, porque a gente não procura o vírus em si. O algoritmo, ele aprende se vai dar positivo no RTPCR, que é o padrão ouro, que é no fundo o padrão ouro, que de fato vai atrás do vírus, do DNA. Então, de fato, e comparado com esses testes rápidos que tem saído denúncias aí na mídia, que são muito ruins e, de fato, tudo indica que são muito ruins mesmo, os nossos algoritmos, eles acertam bem mais do que esses testes rápidos. Mas como eu falei, ainda tem algum grau de erro, não é cem por cento, não é melhor que o RTPCR, então é melhor a gente seguir com o RTPCR. Em segundo lugar, a questão de prognóstico, também havia esses dados, então, a gente está acertando muito bem, até bem melhor que diagnóstico. Altíssima a nossa, nosso nível de acerto de ir a óbito, de ser internado em UTI e precisar de ventilação mecânica. A gente tem, nosso primeiro artigo está saindo e temos muitos outros à caminho. A gente conseguiu antes fazer diagnóstico, porque não precisa de acompanhamento de paciente durante muito tempo. Enquanto de prognóstico, então o paciente é diagnosticado, ele leva algumas semanas até ir para a UTI e algumas semanas até morrer, nos casos que vão a óbito. Então, precisaria de muitos exemplos desse, muito acompanhamento e conseguimos aí recentemente o número suficiente. Aí já é uma parceria com a Beneficência Portuguesa de São Paulo.
[00:53:00]
Regina: Olha, parabéns, eu estou até pegando a minha máscara que quando se fala covid-19, eu já até pego a minha máscara e já deixo aqui do lado, que assim que eu saio de microfone, eu já vou colocar máscara. Marcellus [...]
Marcellus: Acho interessante essa questão que o Alexandre colocou. Legal saber que ele estava envolvido. De fato, eu também vi isso na competição do Albert Einstein, tem muitas coisas que você coleta no exame de sangue, e que você consegue ter certeza; mas achei legal o ponto do Alexandre que é: “sim, temos esse algoritmo, mas calma, a gente não vai sair rodando esse algoritmo para todo mundo para determinar isso é verdade universal, ou não”. Então, saúde novamente é um assunto crítico e os algoritmos, eles têm que ter uma participação maior, porque eles têm essa eficiência, mas também tem um fluxo de trabalho. Você tem que colocá-los como aliados dos médicos, você tem que trabalhar com os hospitais. Então, até você conseguir utilizar na prática o resultado, você tem um tempo. Como qualquer pesquisa científica, ela não vai direto para o consumidor final imediatamente. Então, eu acho que o mais importante é as pessoas terem essa, saberem que, primeiro, os hospitais estão interessados, que é importantíssimo, e por isso eles estão fazendo essas parcerias com pesquisadores sérios, e segundo, que é possível. Então a gente já está indo para um terceiro estágio em que isso vai ser de fato utilizado no dia a dia e tem impacto na vida das pessoas realmente.
Regina: É isso aí. Bom gente, chegamos ao final de mais um episódio do nosso Inside Alana. Obrigada, Alexandre, pela sua participação.
Alexandre: Eu que agradeço o convite, foi um prazer!
Regina: Obrigada, Marcellus você também por mais uma vez aqui estar aqui com a gente transmitindo muito conhecimento. Vocês dois jorraram conhecimento aqui, viu, Alexandre, foi muito bom e parabéns pelo seu trabalho. Está sendo muito importante nesse momento.
[00:55:04]
Alexandre: Eu que agradeço. Obrigado pela oportunidade de falar um pouco da área e incentivar mais pessoas a virem para a área de machine learning, uma área que você tem o potencial de ter um impacto real no mundo. É uma área que também paga bons salários, é uma área que você pode trabalhar analisando qualquer subárea que você tem interesse, então existe machine learning na educação, justiça, saúde, existe nos negócios, no mercado financeiro, tá? Então é uma área que te dá muita liberdade, e que te dá muitas oportunidades de trabalho; e como eu falei, não vai ser uma área que vai deixar de ser importante. Tomar decisões inteligentes a partir de dados só vão ficando mais e mais importantes à medida que vamos coletando mais dados, à medida que os computadores vão ficando mais rápidos, e à medida que vão aparecer novos desenvolvimentos técnicos, enquanto novas pessoas vão entrando para a área. Esta é uma área que só vai ficar mais e mais importante, então eu queria incentivar todas as pessoas que estão ouvindo, interessadas no assunto, a virem para a área e a entrarem de cabeça nela.
Regina: Então, você que está ouvindo a gente, percebeu? Tem tanta gente pedindo emprego, precisando de emprego, tanto desemprego e é uma área que está contratando e paga muito bem.
Marcellus: A Alana AI está contratando engenheiros de machine learning.
Regina: Exatamente. Por falar nisso, você falou que você começou com doze e em quanto tempo você já chegou a não sei quantos colaboradores? Fala para a gente.
Marcellus: A gente quadruplicou nesse período só da pandemia.
Regina: Gente, Alana AI contratando, ela quadruplicou e está contratando. Você ouviu bem o que eu estou falando? Então presta atenção, acompanha a gente nas redes sociais, acompanha Alana AI e aqui o Inside Alana, o nosso podcast. Grande beijo e até o próximo episódio!