Temporada 01 | Episódio 04

Influência da Neurociência e Biologia na Inteligência Artificial

Seu cérebro é parecido com o de uma máquina? Vamos descobrir como alguns algoritmos e técnicas foram inspirados pela teoria da evolução e pela neuroanatomia. Como algumas áreas da Biologia influenciam positivamente no desenvolvimento de tecnologias de inteligência artificial?

#04 Influência da Neurociência e Biologia na Inteligência Artificial

[00:00:06]

Regina: Sejam bem-vindos ao Inside Alana Podcast, organizado pela Alana AI.

[00:00:16]

Regina: A Alana AI, uma empresa de inteligência artificial, que combina as inteligências humana e artificial para aproximar a relação entre marcas e clientes. A Alana AI oferece experiências incríveis através de conversas humanizadas, personalizadas e precisas, em grande escala. E o objetivo dessa série de podcasts é levar informação e discutir o papel da Inteligência Artificial no futuro. Como ela vai influenciar organizações globais, e também o relacionamento entre humanos e tecnologia. Aqui a gente vai compartilhar pensamentos e lições aprendidas em anos de experiência, como uma startup global, criadora de inteligência artificial e otimizadora do serviço de atendimento ao cliente. Vamos nessa?

[00:01:06]

Regina: Olá, pessoal. Aqui é Regina Bittar, âncora dessa temporada do Inside Alana Podcast; e eu estou aqui novamente com Marcellus Amadeus, para mais um bate papo sobre inteligência artificial. Mas, eu aprendi demais, viu, Marcellus. Eu aprendi muito, eu estou encantada com esse universo tão multidisciplinar, tão amplo, que é a inteligência artificial. Inclusive, o nosso tema de hoje me deixou muito curiosa quando eu peguei o roteiro e, lógico, trezentos mil dúvidas. Eu quero saber de você, e a primeira pergunta que eu vou jogar aqui é: qual a influência da biologia, da biologia na inteligência artificial? Que isso? É um ser humano, caramba?

[00:01:37]

Marcellus: É, pode parecer um pouco estranho, porque são coisas distintas, mas dentro da biologia tem várias, várias sub áreas e campos de estudo que ajudam muito a inteligência artificial que vão desde como funciona o cérebro, parte da biologia, até mesmo na teoria da evolução.

[00:02:18]

Regina: A teoria da evolução? Cara, você vai me explicar isso direitinho. Começa aí. Essa capacidade do ser humano de evoluir, é a teoria da evolução, né? De Charles Darwin, é disso que você está falando?

Marcellus: Isso, ela serviu de inspiração para um dos algoritmos de inteligência artificial, que é baseada em uma estratégia simples dentro da biologia, que é de como as espécies evoluem.

[00:02:58]

Regina: Você está me dizendo que os algoritmos, que existem algoritmos que seguem o raciocínio de evolução das espécies?

Marcellus: Não é exatamente o raciocínio, mas eles são feitos de tal maneira em que eles vão replicar esse padrão, essa estratégia utilizada pela evolução, pela teoria da evolução, e esses algoritmos que se baseiam na teoria da evolução, eles chamam algoritmos genéticos.

Regina: Iguais os nossos, é isso? E quais são esses padrões? Desenvolve, pode desenvolver mais, porque ainda não entendi não.

Marcellus: Olha os algoritmos genéticos eles são parte de uma área de um campo que são algoritmos evolutivos. Então, eles são inspirados por essa tecnologia, biologia evolutiva, e eles têm similaridades com o que é a evolução, quais são os métodos utilizados pela evolução, por exemplo: hereditariedade, mutação, seleção natural, recombinação, que a gente chama de crossover; então, na teoria da evolução, a adaptação é  o fundamental, certo?

Regina: Sim.

Marcellus: Sobrevive quem se adapta.

Regina: Até agora está tudo igualzinho a teoria da evolução de Charles Darwin.

[00:04:34]

Marcellus: Exato, quem se adapta sobrevive, que não se adapta, morre, é eliminado. Então, o quanto você se adapta é a métrica, certo? E aí, por exemplo, se a gente tem uma espécie e um grupo de indivíduos, vamos chamar de população, o objetivo dessa população é sobreviver.

Regina: Tá.

Marcellus: Então, essa sobrevivência, que é medida pela adaptabilidade; a mesma coisa é aplicada pelos algoritmos genéticos. Por exemplo, você cria uma população, você coloca eles em teste, à prova. Um pequeno grupo deles sobrevive, porque eles têm a variedade genética. Então aqui a gente está falando bastante de [...], só contextualizando um pouco, quando você diz que o que sobrevive se adaptou, esse ‘adaptou’ é em termos genéticos.

Regina: Sim.

Marcellus: Você se modifica geneticamente e se torna mais apto a sobreviver naquele ambiente.

Regina: Certo.

Marcellus: Então, esse grupo que sobreviveu, que se adaptou, que sobreviveu mais tempo, é onde aconteceu a seleção natural, certo? Porque aquele grupo tinha genes mais propícios para sobreviver e, portanto, sobreviveu. E quando aquele grupo se reproduz, ele passa por uma recombinação. Então aqueles indivíduos dentro do grupo, eles se reproduzem e eles se recombinam, os genes, então isso que a gente tem um pouco do crossover. E aí esse processo é repetido, infinitamente, até que um indivíduo, claro, em um cenário ideal, se adapte ao máximo.

Regina: Sim, uma evolução contínua.

Marcellus: Exato, que a gente também passa.

Regina: Sim.

Marcellus: Todas as espécies passam, certo?

[00:06:31]

Regina: Mas engraçado que você estava falando sobre isso agora, do grupo, e de passar por teste, eu me lembrei dos realities, que são mais ou menos isso, de sobrevivência dentro de um grupo fechado e que você vê a adaptabilidade, você vê os skills de cada um.

Marcellus: Uma evolução artificial.

Regina: É artificial.

Marcellus: E é uma coisa que a gente tem feito muito, como ser humano, que é uma evolução artificial, principalmente porque a escala da evolução, especificamente humana, ela é muito grande.  

Regina: Sim.

Marcellus: São dezenas de milhares de anos que o nosso código genético é igual. Ele não está se adaptando assim. Um humano de cinco mil anos atrás é idêntico a gente, então a diferença é a exposição que ele tem. A gente não está preparado para ter, por exemplo, uma exposição tão grande à redes sociais e tem uma discussão grande do quanto isso está causando à depressão, ansiedade, etc, mas o ser humano de cinco mil anos atrás era igual a gente. Ele também ia ter essa dificuldade.

Então, à medida que a gente passa por essa transformação, que é muito mais rápida do que a escala biológica, há pessoas que acreditam que a gente está forçando uma evolução artificial e que talvez vai ser necessária. Então, à medida que a gente começa, [...]

Regina: Mas tem uma natural: a pandemia, que veio corroborar para nossa evolução.

Marcellus: De certa forma. nossa imunidade. Mas à medida que a gente começa a investir mais em engenharia genética, a gente começa a modificar o nosso corpo, curar doenças, etc, a própria cura da doença, ao longo do tempo, a nossa espécie foi aprendendo a lidar com várias doenças e sobreviver à elas.

Regina: Sim.

[00:08:19]

Marcellus: Só que com o avanço da medicina, isso se torna nossa responsabilidade agora. A gente conseguiu curar mais doenças em cem anos, do que na história da nossa espécie.

Regina: Entendi, e isso não é biologicamente natural, é artificial.

Marcellus: Exato.

Regina: Não é uma evolução da espécie.

Marcellus: A gente começa a tomar a rédea da evolução dos seres humanos.

Regina: É, e a descontrolar tudo, porque toma uma coisa, procura uma coisa, acaba causando outra.

Marcellus: É um pouco mais complexo do que a gente esperava.

Regina: E eu me lembro que a gente já conversou sobre isso e você explicou que o algoritmo é como uma receita; então, o que acontece é que vocês verificam quais receitas que deram certo, né? No caso, quais sobreviveram e, a partir disso, vocês criam receitas mais fortes. É isso?

Marcellus: É isso. Os algoritmos genéticos, eles vão evoluindo e ficando mais fortes. Essa técnica foi desenvolvida principalmente nos anos setenta por alguns cientistas, inclusive foi um deles que popularizou isso, mas que só aconteceu na década seguinte.

Regina: E quais os principais benefícios de criar algoritmos genéticos?

[00:08:19]

Marcellus: Então, tem muitos, porque como a gente viu que eles são bastante baseados na evolução, e a evolução tem regras relativamente simples, eles são fáceis de implementar, eles se adaptam bem, eles conseguem funcionar continuamente. Eles podem ser usados em conjunto com outras técnicas, que é uma coisa que acontece muito, porque à medida que você tem problemas mais complexos, você começa a utilizar várias técnicas para resolver aquele problema.

Então, no caso dos algoritmos genéticos, eles são bons em encontrar uma solução ideal, porque eles vão se adaptando até eles chegarem em um conjunto ideal, e outras técnicas são boas para outras coisas. Então, você combina essas várias técnicas levando em consideração os pontos fortes delas e você consegue um resultado mais interessante no final.

Regina: Nossa, é incrível como a cada conversa que a gente tem a inteligência artificial fica mais descomplicada. Ao mesmo tempo, eu fico intrigada com algumas coisas. E aí, Marcellus, tem alguma outra área da biologia que seja importante para a inteligência artificial?

[00:10:52]

Marcellus: Sim, eu acho que além dessa inspiração nos algoritmos genéticos que, como a gente viu, é relativamente simples você ficar recombinando e pegando os fatores mais fortes, você tem uma que é especialmente importante e que a gente falou aqui, de certa forma nos três últimos três episódios, que é a neuroanatomia.

Regina: Agora a gente vai entrar profundo. Deep, deep stuff.

[00:11:35]

Marcellus: A neuroanatomia, ela é o ramo da biologia que estuda a organização anatômica do sistema nervoso, que compreende mais do que o cérebro; e ela aborda todos os sistemas responsáveis por transmitir informação e comandar o corpo. Transmitir informação é quase que o equivalente à comandar, certo?

Regina: Sim.

Marcellus: Comandar uma informação. E aí esse sistema nervoso, ele se espalha pelo corpo inteiro, seja na ponta do seu pé, seja dentro do seu destino, seja em qualquer [...]

Regina: Qualquer parte.

Marcellus: [...] tem muito do sistema nervoso dentro de seu corpo. Mais do que a gente imagina, porque se for imaginar, o cérebro, coluna, [...] Não, o sistema nervoso são todos os lugares onde tem neurônios responsáveis por comandos, sensações táteis, receptores de neurotransmissores.

Regina: Sim.

Marcellus: Então, por exemplo, [...]

Regina: Todos os órgãos têm, não tem?

Marcellus: A maioria deles tem alguma coisa, então um neurotransmissor que é muito famoso, serotonina, uma grande parte dele é encontrada no intestino.

Regina: Aliás, o intestino é considerado o segundo o cérebro, talvez o primeiro, costumam dizer.

Marcellus: Ele tem muitas propriedades que influenciam bastante o cérebro e vice-versa. Mas é claro que assim, em neuroanatomia, geralmente a gente foca no cérebro, que é a unidade central de processamento.

[00:13:12]

Regina: Mas como exatamente a neuroanatomia pode influenciar a qualidade da inteligência artificial?

Marcellus: Tendo em vista que a neuroanatomia, ela estuda primariamente o sistema nervoso, seja ele dentro ou fora do cérebro, o sistema nervoso nada mais é do que uma rede neural, ou um conjunto de redes neurais. Então, quando a gente falou nos episódios anteriores de redes neurais, a gente estava falando de redes neurais artificiais [...]

Regina: Certo.

Marcellus: [...] que é a técnica de machine learning que a gente utiliza. Só que ela toda foi baseada em redes neurais biológicas. Então você tem os neurônios e como eles se comportam, como eles transmitem informação, as propriedades anatômicas desses neurônios.

Regina: As propriedades anatômicas também?

[00:14:07]

Marcellus: Também, porque principalmente do ponto de vista de organização estrutural, da topologia da rede. Então, você tem algoritmos computacionais que tentam determinar qual que é a eficiência da rede. O quão rápido o neurônio consegue transmitir informação, tendo em vista as ligações dele com seus vizinhos.

Então, isso tudo é levado em consideração e foi tido como inspiração para as redes neurais. Então, a gente falou no episódio dois, principalmente, das redes neurais, certo? Aquela estrutura que imita o cérebro.

Regina: Certo.

Marcellus: E elas são a base para a técnica que a gente chama de aprendizado profundo, o deep learning. Então, a anatomia permitiu que a gente evoluísse essa técnica, e hoje existem vários tipos de aplicação de deep learning, e vários deles baseados em outras coisas dentro de neuroanatomia e biologia.

Regina: Marcellus, para quem está ouvindo a gente e não ouviu o episódio dois, aliás, volta lá porque é imperdível. Você tem que ouvir. Mas retoma brevemente aqui pra gente, o que que é deep learning, por favor?

[00:15:23]

Marcellus: Então tá, vamos lá. Deep learning é uma técnica de aprendizado de máquina, certo? Então como as máquinas aprendem.

E esse aprendizado, ele é chamado de profundo porque ele acontece em múltiplas camadas. Então você tem, por exemplo, uma rede neural, então sei lá, os três neurônios ligados um ao outro, de forma linear, e eles são responsáveis por emitir um comando.

Regina: Certo.

Marcellus: Posso dizer que esses três são uma camada. Se eu pegar mais três e ligar o resultado desses três com os próximos, então para cada camada o resultado dela, o que sai dela é entrada para a próxima. E eu crio várias camadas.

Com essa organização em múltiplas camadas, eu consigo fazer com que cada camada foque em certos atributos. Então poderia dizer, de forma grosseira, que no cérebro algumas camadas seriam responsáveis por algumas coisas específicas, ou tipos de neurônios, por exemplo, neurônios motores e outros tipos.

Regina: Sim.

[00:16:40]

Marcellus: O paralelo que a gente podia traçar é de que, como no Inception, no filme, na origem, cada camada é um nível maior de abstração.

Regina: Entendi.

Marcellus: Ela é ainda mais profunda, então ela está chegando cada vez mais na essência do conceito, da ideia. Então, de certa forma, a gente também faz isso no deep learning, porque a gente tem múltiplas camadas para a gente conseguir chegar na essência, no núcleo, e extrair todos as coisas ao redor disso.

A parte mais interessante de você lidar com algoritmos de deep learning, é que eles chegam à conclusões e todas as vezes você não sabe como eles chegaram nessas conclusões.

Regina: Nossa mãe do céu. É um ser pensante.

Marcellus: É, eles imitam o pensamento, de certa forma; não é nem que ele pensa por si próprio, mas ele é tão complexo, quando você tem muitas camadas, são tantas decisões que ocorrem [...]

Regina: Tantas variantes que ele tem condição de cruzar, né?

Marcellus: Exato. Que você não sabe no final, por que que ele chegou naquilo. Então, quando a gente fala, por exemplo, o que a gente falou no último episódio sobre as tendências que os dados têm, os dados têm padrões. Você treina o algoritmo nesses dados e aí ele começa a ser tendencioso, certo?

Regina: Certo.

Marcellus: E você perguntou: “mas como a gente corrige?”. Esse é o desafio, porque você não sabe nem porquê ele está sendo tendencioso de fato.

Regina: Como ele chegou alí você não tem noção?

Marcellus: Exato.

Regina: Marcellus, se você não tem noção, eu estou perdida. Já fico assustada, porque pelo amor de Deus, vai ser uma loucura entender isso daqui.

[00:18:30]

Marcellus: É, esse fenômeno, esse tipo de algoritmo, ele é chamado de Black Box, porque ele tem esse tributo de os cientistas não saberem como ele chegou naquela conclusão. Quando digo isso, não é porque é uma máquina superinteligente que pensa sozinha. Não, não é nada disso.

É porque é um algoritmo tão complexo, vou colocar um exemplo, na verdade, eu vou dar um exemplo simples para a gente entender o complexo.

Regina: Tá.

Marcellus: Algoritmos mais antigos, como árvores de decisão, são algoritmos que você dá os dados e o algoritmo cria uma regra simples para chegar naquela conclusão. Então, por exemplo, preço de casas. Você vai colocar lá nos seus exemplos: “a casa tal tem tantos quartos, tantos banheiros e custa tanto”.

Próximo. “Tanto, tanto, tanto”. O algoritmo vai tentar identificar o seguinte: “se tem tantos quartos, é tantos mil”, “se tem tantos banheiros, então é tantos mil”. E depois, no final, você consegue, o algoritmo consegue te dizer qual a regra que ele criou.

Regina: Certo.

Marcellus: “Se for três quartos e três banheiros, xis mil”,  “se for isso e isso, xis mil”, então é fácil de visualizar. Só que imagina pegar esse mesmo algoritmo e multiplicá-lo por dez mil. E aí a gente tem essa dificuldade de entender como é a regra que ele utilizou, porque são tantos decisores, que no final a gente não sabe muito bem.

Regina: Sim, você tem a cor da pintura, o mármore do banheiro [...]

Marcellus: E você coloca quantidades de atributos [...]

Regina: Tipo assim, acabamento da casa, e aí são N variantes que ele chega numa conclusão que [...]

Marcellus: Eu acho que tem um exemplo bem bacana que é o seguinte, tenta me dizer qual é a regra, ou o conjunto de regras, pelo qual alguém foi eleito. No sistema de votação, você tem milhares, centenas de milhares, milhões de pessoas, e cada uma tem a sua decisão dentro da sua cabeça, por alguns fatores.

Regina: Alguns? Vários, né?

Marcellus: Então, quando você tem uma pessoa que é eleita você fala assim: “tá, então por que ela foi eleita?”. Então isso é um blackbox, concorda?

Regina: Sim.

Marcellus: Então como que você descreve a regra, a fórmula, pela qual aquela pessoa foi eleita? É parecido no deep learning. Como é que você descreve, como cada neurônio voltou com alguma coisa, como é que você descreve o total?

[00:21:09]

Regina: Também parece um juiz quando decide alguma coisa. A gente nunca sabe como é que ele chegou àquela conclusão.

Marcellus: Sim, a diferença é que são milhares de juízes. E aí, tem alguns setores em que o risco é muito alto, porque esses setores, eles dependem dessa capacidade de se explicar.

Regina: Então isso quer dizer que a técnica de deep learning pode ser perigosa?

Marcellus: Não. Ela não é tão perigosa, porque não é como se ela fosse o exterminador do futuro. Mesmo porque a gente sabe que isso está próximo de acontecer. Nosso maior perigo hoje é humano mesmo, não é a máquina; mas é interessante, porque existem técnicas que a gente cria hoje, existe até uma uma área inteira de estudo em como criar algoritmos de inteligência artificial que sejam explicáveis.

Então, a gente chama isso de Explainable AI. Muitos pesquisadores têm agora esse esforço. É curioso, a gente criou um método, esse método é muito obscuro, e agora tem outras pessoas estudando como deixar esse método menos obscuro; e tentar criar não só algoritmos novos, que sejam menos obscuros, mas também de explicar esses, principalmente porque a gente tem alguns movimentos até de lei, que impedem.

Você tem, por exemplo, na Europa, leis que assim, se for uma coisa que influencia ou que impacta a vida de uma pessoa, se for utilizado software para isso, você precisa poder explicar o porquê aquela decisão foi tomada.

Você precisa dizer assim: “olha, a gente não vai dar crédito porque ele não tem o histórico x, y, z”. Não pode ser só um algoritmo blackbox que simplesmente diz: “não dê crédito”. Então tem esse movimento, até legal, porque todo mundo está com medo de a gente empoderar as máquinas. E Regina, eu acho que esse é o risco, sabe.

Quando a gente fala de perigo, de certa forma, não é da máquina dominar o mundo, pegar uma arma e sair matando, ou esse tipo de coisa. O risco é a gente dar esses poderes de decisão para as máquinas. E a gente faz isso não é por maldade, é porque é mais escalável, é mais eficiente.

Regina: Sim.

Marcellus: Então a gente cria a tecnologia [...]

Regina: É que ela cruza dados,  tem uma infinidade que ela pode fazer.

[00:23:34]

Marcellus: Exato, então a gente tenta tomar decisão baseada em fatos e a máquina toma cem por cento das decisões baseada em fatos. Só que o risco está [...] Esses fatos, eles contém as vezes, todos os preconceitos humanos e todas as coisas de ruim que a gente faz e que a gente luta conscientemente, só que a máquina não tem isso.

Regina: Para que a mudança aconteça, que é exatamente aquilo que a gente estava discutindo. Para que a evolução aconteça no contexto social, das simbologias, para que a gente evolua, a gente muda esses significados e a máquina não faz isso sozinha.

[00:24:20]

Marcellus: Não. Então você tem, por exemplo, eu estava lendo sobre aplicação desses algoritmos em tentar prever quando as pessoas vão ficar doentes, baseado no histórico de saúde e de gastos; para que você tenha ações mais preventivas como, por exemplo, campanhas do governo, esse tipo de coisa, para que você tenha uma população mais saudável em geral.

No entanto, quando isso começou a ser utilizado, eles começaram a perceber que quando pessoas brancas ficavam doentes, os algoritmos indicavam mais tratamentos do que para pessoas negras. E aí tentando analisar e extrair de onde saiu isso, eles tinham poucos dados sobre gastos médicos de pessoas negras, mas eles tinham muitos dados sobre gastos médicos de pessoas brancas, especialmente os resultados desses gastos.

[00:25:15]

Regina: Então replicava uma coisa que não era, não era o que se queria.

Marcellus: Exato, porque na verdade, isso é um reflexo do quanto o acesso à saúde é escasso. Isso foi nos Estados Unidos, esse estudo. O quanto o acesso à saúde para as pessoas negras é escasso em relação às pessoas brancas e, portanto, você não tem dados para criar algoritmos justo.

Regina: Exatamente.

Marcellus: Então esse que é o perigo real desses algoritmos.

Regina: Entendi, então, isso também quer dizer que são vários tipos de algoritmo, certo?

Marcellus: Sim.

Regina: Tem algum que se destaca mais?

Marcellus: Olha, a gente tem um que ele é bem focado na área de linguagem, que a gente falou no último episódio, que a gente poderia destacar. Tem muitos, mas esse em especial, ele tem um carinho muito grande na comunidade de inteligência artificial, e ele chama LSTM.

Então, antes de eu falar sobre isso, a gente está falando de um tipo, mas tem que se lembrar que o aprendizado de máquina são técnicas para que a máquina aprenda. Uma delas é a rede neural artificial, certo?

Regina: Certo.

[00:26:32]

Marcellus: Uma transformação das redes neurais artificiais é o deep learning, que são usar muitas redes neurais artificiais. Em deep learning, você pode, sabe as camadas que eu falei?

Regina: Sei.

Marcellus: Elas não precisam ser iguais. Cada camada pode ter uma estrutura radicalmente diferente, e assim que a gente cria tipos de deep learning, porque a gente combina camadas que têm transformações distintas.

Então, a gente tem esse algoritmo chamado LSTM, que é uma abreviação de long-short term memory, então a memória de longo e curto prazo, e ele tem uma arquitetura construída de tal maneira, que a ideia dele é que ele lembre intervalos aleatórios de coisas do passado.

Então esse tipo, é porque o difícil de falar sobre isso é porque sempre tem um tipo do tipo do tipo do tipo [...] então você tem em deep learning, você tem um grupo chamado de redes neurais recorrentes.

Regina: Certo.

[00:27:39]

Marcellus: E esse é um exemplo de rede neural recorrente. Essa recorrência se dá porquê em uma rede neural padrão você passa todos os dados pela rede neural, ela aprende, próximo, e aí não é recorrente. Você não passa os mesmos dados muitas vezes, ou de propósito, enfim, essa recorrência se dá porque nessa arquitetura ele tenta se lembrar.

Regina: Então quando existe a recorrência é um fato que ele grava na memória.

Marcellus: Ele grava na memória. Então você passa várias vezes os dados por camadas específicas, para que algumas coisas ele possa se lembrar. Então isso é legal, porque isso é aplicado em, especialmente em tarefas de texto por que isso dá contexto. Então, por exemplo, a gente está falando bastante sobre aprendizado de máquina, mas não necessariamente falando a palavra aprendizado de máquina ou contexto. Certo?

Regina: Certo.

[00:28:53]

Marcellus: Quando ele tem essa capacidade de se lembrar de coisas lá no passado, ele pode ajudar na interpretação do agora. Então, isso é muito forte para aplicações de linguagem natural porque ele consegue se lembrar das coisas que foram ditas. Pensa, por exemplo, em um chatbot. No chatbot, você fala assim [...]

Digamos que é um chatbot de conversação genérica. Fala “oi, tudo bem?”, “oi, tudo bem.”, “meu nome é tal”, “oi, eu sou tal”, “como se sente hoje?”, “mal.”; e aí continua a conversa. Chega um momento que o chatbot poderia falar assim: “então, você disse que estava mal, mas agora você está bem?”; ele buscou uma coisa lá atrás que você disse. Isso é bacana, porque muita gente acha que assim; a gente tem até em filmes, tipo “as máquinas se lembram de tudo, então os humanos têm a capacidade de esquecer”.

Eu já vi essa temática muitas vezes em filme, de como, sei lá, “como deve ser horrível lembrar de tudo”, que você vai ter todas as memórias e tal. Até na série da HBO, Westworld, que a máquina se lembra de tudo, então ela não sabe se está no presente ou no passado.

Enfim, a máquina não lembra de tudo, ela lembra menos que a gente, porque esses algoritmos eles extraem só a informação que eles precisam.

Não é como se a máquina tivesse uma cópia do mundo real e utilizasse isso. As máquinas não funcionam assim hoje. Você dá exemplos e ela aprende como identificar esses exemplos. Mas nem dos próprios exemplos, geralmente ela se lembra, e na verdade esse é o ideal, porque você quer que ela aprenda e não memorize.

Regina: Entendi.

Marcellus: E aí quando você introduz um algoritmo desse, de ela poder se lembrar de certas coisas do passado, você mantém uma coisa mais consistente.

[00:30:52]

Regina: E pode ser um passado recente, como você falou [...]

Marcellus: Ou antigo.

Regina: [...] ou antigo, tipo: “ontem você disse que estava bem”.

Marcellus: Não tem esse nível temporal exato, porque justamente são intervalos aleatórios.

Regina: Tá.

Marcellus: Então ela pode se lembrar de certas coisas no passado. A ideia aqui é você construir, por exemplo, um chatbot que lembre dessas coisas que você acabou de falar. Então, por exemplo, você fala assim: “Siri, qual que é a temperatura?”, “x, y, z”.

Regina: Dezessete graus.

Marcellus: Exato, e aí você fala: “e amanhã vai ser mais do que isso?”.

Regina: Eu espero que sim.

Marcellus: Quando você diz vai ser mais do que isso. É uma nova pergunta, então ela tem que reanalisar o que você está falando, certo?

Regina: Certo.

Marcellus: Só que mais do que isso, o quê?

Regina: O que você acabou de falar lá.

Marcellus: Isso já é passado, então é porque, assim, parece tão óbvio para as pessoas, mas a máquina, como é que ela funciona? Você pergunta e ela responde. Ela não fica consultando passado. E aí você começa a introduzir esses algoritmos, que têm essa capacidade de consultar o passado sem que você diga para ela consultar o passado. É isso que é interessante.

Regina: Nossa.

[00:32:16]

Marcellus: Porque você poderia programá-la para fazer “se lembre dos últimos X  interações”, e você começa a criar regras e começa a ficar complexo. Não, o algoritmo já é capaz de se lembrar de coisas do passado e você consegue manipular isso em interações futuras. Então, e aí você vê, não é só inspirado na neuroanatomia por ser uma rede neural, mas também é inspirado na memória, porque você tem a memória de curto e longo prazo.

Regina: Sim, é essencial.

Marcellus: Exato, e uma das coisas, hoje nem tanto, mas o estudo dessa memória que inspirou o algoritmo e você tem vários casos assim, em que você cria [...]

Regina: Isso é recente? Esse estudo desse algoritmo?

Marcellus: Não, esse algoritmo não é tão recente. São algumas décadas, mas até hoje você tem novas arquiteturas sendo propostas, baseadas em coisas que a neurociência descobriu. Então, isso sempre serve de inspiração, mesmo que seja, mesmo que seja literalmente só para inspirar.

Porque nem sempre, por exemplo, a forma com que a memória de longo e curto prazo funciona no cérebro é extremamente mais complexa do que isso, do que intervalos aleatórios no passado.

Às vezes parece que são intervalos aleatórios do passado, mas serviu de inspiração para esses cientistas, e engenheiros, terem a ideia de “e se gente aplicar algo semelhante?”, Isso acontece até hoje.

[00:33:53]

Regina: Muito interessante, muito legal. É incrível isso. Não fazia ideia que a biologia tinha essa influência na inteligência artificial. Não tinha a mínima noção.

Marcellus: A biologia é um campo vasto, né? Que tem muitas ramificações, mas que tem um impacto enorme na tecnologia em si.

Regina: Verdadeiramente vocês estão desbravando a tecnologia e eu fico imaginando o que as inteligências artificiais serão capazes de fazer nos próximos anos e décadas. É algo que me intriga muito. Você pode me dar um feedback disso? O que você acha que vai estar acontecendo no futuro?

[00:34:39]

Marcellus: Ainda mantenho minha posição de que [...] não só minha, tá? Qualquer líder no campo da inteligência artificial, cientista ou engenheiro, também tem essa posição de que a gente está longe de ter uma inteligência consciente, tendo em vista de que a gente mal sabe o que significa consciência; mas ao mesmo tempo, eu vejo muitas empresas fazendo isso certo, que é focando na aplicação, em como melhorar a comunicação, a eficiência, o uso do dia a dia.

Então, as pequenas coisas que você pode otimizar elas são o que mais tem frutos depois. Porque elas não só são factíveis, elas são escaláveis, elas são [...] você pode confiar nelas. Você vê, por exemplo, empresas de tecnologia, de produtos mesmo, como a Apple, que elas têm tantas aplicações de machine learning nos produtos que as pessoas nem imaginam, sabe? A maior parte do funcionamento do telefone é baseado em inteligência artificial, mas você não percebe isso.

O próprio face id da Apple é assim, é um marco na inteligência artificial em relação às aplicações, porque são milhões de pessoas utilizando. Ele é seguro, ele é prático, ele é fácil de configurar, então são coisas que até a gente se inspira enquanto empresa, que é ser fácil de configurar, é você poder depender daquilo, de ser confiável, ser prático.

Regina: Tem que ser confiável.

Marcellus: Exato.

Regina: São as pequenas grandes coisas.

Marcellus: Exato, você investe nessas coisas que tornam tudo mais fácil, mais fluído, e que, na minha opinião, é a melhor forma de gastar esses recursos agora; tendo em vista de que as grandes aplicações ainda estão por vir.

Regina: Olha, Marcellus, eu adorei conhecer você nos nossos encontros aqui. Gente, se você não ouviu os anteriores, os episódios anteriores, volta e ouve, porque vale muito a pena. É uma aula, é um aprendizado muito grande. Muito obrigada, viu, Marcellus.

Marcellus: Obrigado você.

Regina: Por compartilhar tanto conhecimento. E eu queria fazer um agradecimento à você que está ouvindo a gente e convidar para o próximo episódio. Não vai perder. Estou te esperando. Tchau.